quinta-feira, 28 de abril de 2011

O Dobrado: Breve Estudo de um Gênero Musical Brasileiro

Artigo de José Roberto Franco da Rocha 

Introdução 

Tanta gente já me fez perguntas sobre o dobrado que, depois 
de algum tempo, cheguei à conclusão de que, apesar de tão popular, o dobrado é um 
gênero musical bastante desconhecido. Notei que os próprios músicos, ao 
manifestarem sua curiosidade, revelavam ignorar as origens do dobrado e até mesmo 
a razão da sua denominação. Ficava claro, também, que haviam dedicado 
pouquíssima atenção ao estudo das principais características rítmicas, formais e 
harmônicas deste gênero musical genuinamente brasileiro. 

Ao buscarmos explicações para tanto desconhecimento, 
constatamos que a principal razão reside na enorme lacuna existente na nossa 
literatura, pois são quase inexistentes as teses, as monografias, os artigos ou 
quaisquer outros trabalhos acadêmicos que tenham como objeto de estudo as nossas 
bandas de música e, por conseqüência, um dos seus gêneros mais característicos que 
é, sem sombra de dúvida, o dobrado. 

Naturalmente, este artigo não tem a pretensão de suprir 
tamanha deficiência verificada nas fontes escritas. Apresenta, apenas, alguns 
aspectos mais relevantes, tomados como essenciais para um melhor conhecimento do 
dobrado e, dessa maneira, satisfazer esta curiosidade generalizada. 

Ao final, no entanto, serão feitas algumas considerações sobre 
os dobrados sinfônicos e sobre uma coleção de dobrados, selecionados pelas 
peculiaridades que apresentam, as quais me levaram a denominá-los de 
“dobradinhos”. Aliás, nosso propósito inicial era o de fazer apenas um estudo sobre 
esses dobradinhos, mas verificamos ser necessário um trabalho mais amplo, contendo 
informações gerais sobre as origens do dobrado, as suas principais características e 
outras informações complementares.. 

Uma bibliografia, apesar de reduzida e nem sempre de fácil 
acesso, é citada com a finalidade de levar os interessados a se aprofundarem no 
estudo das nossas bandas de música e do gênero bandístico, por excelência, que é o 
dobrado. 

As marchas militares 

Sabemos que, desde tempos imemoriais, pela própria natureza 
das suas missões, as tropas militares marcharam a pé ou a cavalo. Hoje, se 
utilizamdos mais modernos meios de transporte e locomoção, mas, historicamente, 
nos deslocamento pedestres ou hipomóveis, a cadência da marcha sempre variou em 
função da situação tática. Sabemos, também, que é da mais antiga tradição militar 
que a cadência dessas marchas fosse marcada por bombos e tambores, 
acompanhados de pífanos, flautins, trombetas e de outros instrumentos musicais. Por 
evidente analogia, a marcha, ou seja, o deslocar-se a pé ou montado, com o passar 
do tempo, passou a ser sinônimo da música produzida pelo grupo que marcava a 
cadência, durante esses deslocamentos. Disso resultou que, hoje, marcha é a música 
e marcha é o deslocamento, de tal sorte que fica mais clara a frase: “A tropa marcha 
ao som da marcha”. 

As diversas situações táticas exigem, basicamente, três 
cadências para os deslocamentos da infantaria: o passo de estrada, que é uma 
marcha lenta e pesada, usual nos longos percursos; o passo de parada ou passo 
ordinário, que é uma marcha bem mais rápida, com andamento próximo ao dobro do 
anterior, utilizada em desfiles, continências e paradas militares; e o passo acelerado, 
marcha de ataque para a tomada de pontos do terreno ou na carga sobre as linhas 
inimigas. 

Nas tropas de cavalaria, essas cadências correspondiam, 
aproximadamente, às andaduras ao passo, ao trote e ao galope, enquanto que, para 
as bandas de música, as cadências desses passos foram se uniformizando bem perto 
dos seguintes velocidades do metrônomo: 1) o passo de estrada: uma marcha lenta, 
com marcação entre 68 e 76 tempos por minuto; 2) o passo dobrado: uma marcha 
rápida, com o metrônomo marcando de 112 a 124 tempos por minuto; e 3) o passo 
acelerado ou galope, com marcações em torno de 160 tempos por minuto. 

Não tardou, porém, para que “passo dobrado”, que designava 
o andamento das marchas rápidas, passasse a designar, também, a própria marcha 
ordinária das paradas, continências e desfiles. O Dicionário Aurélio registra, no 
verbete passo, o significado para passo ordinário: “andadura cadenciada, usada em 
deslocamento militar, na qual se mantém velocidade que corresponda ao passo 
normal do pedestre”. Para dobrado encontramos: “música de marcha militar”. 
Passo dobrado corresponde, literal e musicalmente, ao passo 
doppio dos italianos, ao paso doble dos espanhóis, ao pas-redoublé dos franceses ou 
simplesmente à march de ingleses e alemães. 

A cadência, a divisão rítmica e outras características das 
marchas militares, principalmente, as da marcha rápida, foram, no entanto, 
recebendo forte influência do caráter nacional, fazendo com que se cristalizassem 
muitas diferenças entre elas, segundo a suas nacionalidades. 

Os ingleses, por exemplo, possuem uma marcha rápida, a 
quickmarch, em compasso 6/8 e andamento bem semelhante ao das marchas latinas, 
porém sua marcha mais tradicional, pesada e arrastada, tem andamento de 108 
passos por minuto. A marcha nacional britânica tem, portanto, características 
distintas das marchas latinas, bem mais rápidas. Distintas, mais ainda, das lépidas 
marchas americanas, que, a partir da grande popularidade obtida por John Philip 
Sousa (1856-1932), se fixaram no andamento de 120 passos por minuto. 

Grande parte dessa diversidade deve ser atribuída à 
distribuição dos valores rítmicos imposta pelo compositor à partitura e, também, aos 
valores rítmicos existentes dentro dos seus compassos. No entanto, avulta sempre a 
importância de um sentido rítmico inconsciente, condicionado pelo caráter nacional 
ou por reflexos emocionais dos fatos, épocas e circunstâncias vividos pela 
comunidade nacional. Não se pode, também, negligenciar a influência de 
compositores e regentes que, em determinado momento, captaram esse sentido 
rítmico subjetivo e conseguiram traduzi-lo para modelos duradouros das marchas 
nacionais. Nessa matéria, merecem destaque Giacomo Meyerbeer (1791-1864), na 
Alemanha; Giovanni Battista Lully (1632-1687) e François Joseph Gossec (17341829), 
na França; e bem assim o já citado Philip Sousa, nos Estados Unidos da 
América do Norte. 


No Brasil não foi diferente, mas, embora tenhamos 
extraordinários compositores do gênero, não podemos apontar nenhum que, em 
particular, tenha sido responsável direto pela criação de um modelo nacional de 
marcha rápida. Podemos, no entanto, verificar que, sendo executada em toda a 
vastidão do território nacional, a marcha, ou seja, o “passo dobrado” europeu, no 
transcorrer do século , ficou completamente exposto às influências dos vários outros 
gêneros musicais, que, por sua vez, já haviam sido inoculados pelas diversidades 
musical, étnica e cultural das crescentes populações urbanas. Resultou, daí, a 
gradativa consolidação de uma marcha brasileira, que, sob a denominação genérica 
de dobrado, foi adquirindo e sedimentando características muito peculiares. E, na 
medida em que foi se distanciando dos modelos herdados do passo dobrado e das 
marchas européias, o dobrado foi se consolidando como a marcha nacional 
brasileira por excelência, de tal sorte que, a partir do último quartel dos anos 1800, o 
nosso dobrado já possuía características melódicas, harmônicas, formais e 
contrapontísticas que o distinguiam de outros gêneros musicais, permitindo assim a 
sua inclusão no rol dos gêneros musicais genuinamente brasileiros. 

Caracterização do dobrado 

Vimos que o gênero dobrado teve sua origem no passo dobrado 
das marchas militares européias. O dobrado, portanto, herdou e abrasileirou a 
maioria das características musicais daquelas marchas, principalmente, no que se 
refere ao ritmo, aos compassos, ao andamento, à estrutura formal, às tonalidades, à 
harmonia e ao contraponto. 

As pesquisas para identificação dos dobrados brasileiros mais 
antigos são ainda incipientes, mas pode-se afirmar, com segurança, que o gênero já 
se encontrava bem definido, com as suas atuais características, na segunda metade 
dos oitocentos. Tanto é que Mercedes de Souza Reis, em “Música Militar no Brasil no 
Século XIX”, Imprensa Militar, Rio de Janeiro, 1952, nos informa sobre o “Dobrado 
n.º 17”, de José da Anunciação Pereira Leite, datado de Aracaju -SE, 6 de janeiro de 
1877, cujas partes pertencem ao acervo do Corpo Musical da Polícia Militar do Rio 
de Janeiro. 

Há, pois, que se dar prosseguimento às pesquisas nos arquivos 
musicais das bandas e igrejas, nos acervos particulares e nas bibliotecas espalhados 
pelo território nacional, não somente sobre o dobrado, mas conduzindo um grande e 
determinado esforço para se proceder ao resgate, à preservação e à difusão deste 
rico patrimônio cultural, que constitui a memória musical das bandas brasileiras. 

1. Ritmo e compasso 
O ritmo do dobrado é binário, com forte acentuação do tempo 
forte do compasso, que usualmente é o compasso simples 2/4. O compasso composto 
6/8 é menos utilizado, mas, com relativa freqüência, aparece disfarçado na notação 
musical, pela utilização de tresquiálteras ou tercinas. Já o compasso 2/2 ou ¢ é muito 
raro nas partituras nacionais, embora tenha preferência sobre o 2/4, na escrita 
musical dos compositores norte-americanos e europeus. A falta de familiaridade com 

o compasso 2/2 ou ¢ tem provocado a adoção de um procedimento, no mínimo, 
curioso. Alguns maestros e copistas transcrevem as marchas estrangeiras para o 
compasso 2/4, com o objetivo de facilitar a leitura musical dos músicos de suas 
bandas, desabituados que estão com a leitura no compasso 2/2 ou ¢. 


2. Cadência 
O andamento do dobrado é mais lento do que o da marcha 
americana e mais rápido do que a marcha tradicional britânica. Sua cadência foi se 
estabilizando por volta dos 112 passos por minuto, talvez pelo costume muito 
difundido da banda fazer um pequeno desfile, tocando dobrados pelas cercanias da 
praça, chamando o público para o coreto, onde logo mais realizaria sua 
apresentação. Este costume, de origem muito antiga, encontramos, também, nos 
grupos folclóricos, cuja marcha-de-estrada corresponde a uma marcação rítmica 
ininterrupta feita pela zabumba, desde que sai da sede, durante todo o percurso, até o 
local de uma festa. A cadência da banda, então, diminui para se tornar mais 
adequada ao deslocamento dos músicos, até certo ponto penoso, principalmente no 
verão, por causa do próprio esforço da execução instrumental, agravado pelo 
desconforto dos uniformes de gala, semelhantes aos das bandas militares, pelo peso 
dos instrumentos e, até mesmo, pela idade, às vezes avançada, de alguns integrantes 
do grupo musical. 

Régis Duprat, no encarte datado de 1978 e publicado com o 
disco “Dobrados”, volume n.º 4 da coletânea “Três Séculos de Música Brasileira”, 
dirigida por Marcus Pereira, sugere, também, a seguinte explicação: (No percurso da 
banda)...“o ritmo, então, torna-se mais cômodo, mais lânguido; fixa-se o seu 
andamento por volta de 110 passos por minuto. Poderíamos explicá-lo por seus 
conluios com a languidez do lundu, do tanguinho, do maxixe, e pela tropicalização 
generalizada que os gêneros ganharam nestes Brasis?” Fica, pois, a explicação 
levantada pelo grande maestro e pesquisador. 

3. Estrutura formal 
Formalmente, o dobrado varia muito pouco, mantendo-se 
dentro de uma estrutura ternária em que identificamos uma primeira parte (A), uma 
segunda (B) e um trio (C). A primeira parte tem sempre uma pequena introdução, de 
quatro a dezesseis compassos, sendo raramente maior que isso. O trio também pode 
ser antecedido de uma pequena introdução ou, na verdade, um intermezzo, Após o 
trio (C), tem lugar uma reexposição das duas primeira partes (A-B). O esquema é o 
seguinte: 

> A-B-C e reexposição A-B. 

Embora dispensada em gravações, talvez para economia de 
espaço nos discos, a reexposição é aspecto imprescindível da estrutura do gênero 
musical, de sorte que uma outra maneira de identificarmos a estrutura do dobrado 
leva-nos a considerar a seguinte fórmula, também ternária: a exposição (A-B), o trio 
(C) e a reexposição (A-B), determinada na partitura pelo Da Capo (D.C.) ou Da 
Capo al Fine. 
Cabe aqui ressaltar que, diferentemente das marchas, nos 
dobrados, é característica fundamental da exposição que a sua última parte seja um 
solo dos instrumentos mais graves (baixos, trombones e bombardinos). Este solo, 
vibrante. grave e fortíssimo, é chamado de solo do baixo ou forte do baixo. É 
acompanhado por todos os instrumentos de percussão, com forte marcação dos 
bombos e dos pratos, e pela harmonia executada pela trompas, trompetes, flautas e 
clarinetes, que, às vezes, executam harpejos, trinados e outras inventivas e curiosos 
ornamentos musicais. Vale notar que a execução do dobrado termina, quase 
invariavelmente, após a reexposição do forte do baixo. 

O trio tem andamento ligeiramente mais lento do que as 
demais partes do dobrado. Caracteriza-se, também, pela suavidade e doçura de sua 
linha melódica, executada com dinâmica próxima do pianíssimo. Tem arranjos e 
instrumentação peculiares, onde não faltam graves solos dos clarinetes, chorosos 
duetos e outros elementos influenciados por sentimentos difusos, fazendo-nos lembrar 
certa melancolia, encontradiça também nas valsas e em outros gêneros nacionais ou 
nacionalizados. 

A seguir é feito um resumo, que sabemos árido, mas que 
pretendemos exaustivo, sobre a estrutura formal do gênero dobrado, cuja fórmula 
mais simples, esquematicamente, representa a sua estrutura ternária. Todas as 
demais, como veremos, serão variantes desta, que tem primeira parte (A), segunda 
(B), trio (C) e reexposição ou Da Capo (A-B): 

> A-B-C-A-B. 

É muito grande o número de dobrados cujos temas levam ao 
desdobramento da exposição em três partes (A-B-C), ao invés de somente as duas 
básicas (A-B). Haverá, neste caso, a reexposição da primeira (A), representada por 
(A-B-A), cuja indicação, na partitura, é feita por um retorno “dal Segno ou S” e um 
salto “al Coda ou símbolo O”. Seguem-se então, a terceira parte, que é o solo do 
baixo (C), e o trio (D), para, então, indicada pelo Da Capo, ser feita a reexposição. 
Esta reexposição, às vezes, é abreviada na sua execução, pois, embora não haja 
indicação nas partituras, os maestros dispensam a segunda parte (B), ou seja, 
determinam a execução direta do salto al Coda, também chamado “pulo do Ó”, indose 
da primeira parte (A) para o solo do baixo (C ) e. assim, finalizar-se o dobrado. 

Estas duas alternativas podem ser assim esquematizadas: 

> A-B-A-C-D e reexposição A-B-A-C ou 

> A-B-A-C-D e reexposição A-C. 

Embora mais raros, existem ainda dobrados cujos trios são 
desdobrados em duas partes. Se a exposição tiver duas partes (A-B), a elas seguirão 
as do trio (C-D), antes da reexposição. No entanto, se a sua exposição for 
desdobrada em três partes (A-B-C), após o solo do baixo, serão executadas as duas 
partes do trio (D-E) e depois a reexposição geral que, como vimos, pode ser 
abreviada pela exclusão da segunda parte (B). 

Os respectivos esquemas serão, portanto: 

> A-B-C-D-A-B, 

> A-B-A-C-D-E-A-B-A-C ou 

> A-B-A-C-D-E-A-C. 

Existem, por fim, alguns dobrados com trios desdobrados em 
duas partes, mas cujas partituras determinam a reexposição da primeira parte do 
trio, antes do Da Capo, ou seja, antes da reexposição das primeiras partes. Nestes, se 
a exposição for constituída apenas da primeira parte (A) e do solo do baixo (B), a 
este se seguirão as duas parte do trio (C-D), com a reexposição de C, antes do Da 
Capo, que dizer, antes da reexposição de A e B. conforme o esquema: 

> A-B-C-D-C-A-B 

A exposição, no entanto, poderá ser desdobrada em três partes 
(A-B-C), com reexposição da primeira (A), antes da execução do forte do baixo (C). 
Nestes dobrados, o trio (D-E) será executado com a reexposição da parte D, antes da 
reexposição geral (A-B-A-C) ou da reexposição abreviada (A-C), determinada pelos 
maestros, como já vimos. Os esquemas abaixo devem facilitar a visualização desta 
complexa estrutura formal. 

> A-B-A-C-D-E-D-A-B-A-C, se no Da Capo for feita a 
reexposição completa das primeiras partes, até o forte do baixo; ou 

> A-B-A-C-D-E-D-A-C, se no Da Capo for abreviada a 
reexposição, determinando-se a exclusão da segunda parte (B). 

Estas são, pois, as estruturas formais apresentadas pelo gênero 
dobrado. É verdade que podemos encontrar dobrados que não as obedecem 
rigidamente, destacando-se, neste caso, os chamados dobrados sinfônicos, nos quais 
os diversos temas são desenvolvidos sucessivamente, sem que haja, necessariamente, 
reexposições. Sua estrutura é livre e, portanto, não se enquadrada nas fórmulas 
acima apresentadas. 

4. Tonalidade 
Para facilidade de exposição, tomemos como base a tonalidade 
dos trios, os quais, tanto nos dobrados como nas marchas, serão sempre escritos em 
tons maiores. 

Primeiramente, embora não sejam os mais comuns, temos que 
registrar a existência de dobrados cujas partes —todas elas, inclusive o trio— são 
escritas em uma mesma tonalidade maior. Por exemplo, às partes da exposição em 
Sol Maior (G) segue-se o trio, também, em Sol Maior (G). 

O usual, no entanto, nos dobrados e nas marchas, é que: 
1) 
se a exposição estiver em um determinado tom maior, no 
trio, altera-se a armadura da clave para que seja escrito no tom da subdominante, ou 
seja, do quarto grau da escala desse tom maior, que será, portanto, uma tonalidade 
maior. Por exemplo, quando as primeiras partes de um dobrado estiverem em Dó 
Maior (C), o trio será escrito em Fá Maior (F); 
2) 
se a exposição estiver em uma determinada tonalidade 
menor, será mantida a armadura da clave, mas o trio será escrito no tom do seu 
relativo maior. Por exemplo, se as primeiras partes estiverem escritas em Sol menor 
(Gm), o trio deverá estar em Si Bemol maior (Bb), ambos, portanto, com dois bemóis 
na armadura da clave. 
Estas regras, que vinculam a tonalidade do trio às tonalidades 
das respectivas exposições, só muito raramente são quebradas. Sua desobediência 
provocará efeitos geralmente desagradáveis, a não ser que um intermezzo, ou seja, 
uma introdução escrita para o trio prepare a modulação para uma nova tonalidade. 
Isto posto, podemos afirmar, com segurança, que essas regras são fundamentais do 
gênero dobrado. 
Aceita-se, no entanto, alguma flexibilidade na tonalidade dos 
temas da exposição, principalmente, quando eles são desenvolvidos em mais de duas 
partes. Variantes relativamente comuns são: 
a) 
a primeira parte (A) em tom menor, a segunda (B), no seu 
relativo maior, vindo a terceira (C), executada depois da reexposição de A, no mesmo 
tom menor inicial; o trio, como já sabemos, será no tom reativo maior de A e C; 
b) 
a primeira parte (A) em tom maior, a segunda (B) no seu 
relativa menor, vindo a terceira (C), que é executada depois da reexposição de A, no 
seu mesmo tom maior inicial; o trio, como sabemos, terá o tom da subdominante ou 
quarto grau da escala maior de A e de C; 
c) 
a primeira parte (A) em tom maior, a segunda (B) no tom da 
dominante ou quinto grau da escala maior de A, vindo a terceira (C), executada 
depois da reexposição de A, no seu mesmo tom maior inicial e o trio, como já 
sabemos, no tom da subdominante ou quarto grau da escala maior da primeira parte 
(A) e do forte do baixo (C). 

5. Arranjo e instrumentação 
Este artigo não comporta um estudo pormenorizado dos 
arranjos e da instrumentação, no entanto, algumas considerações devem ser 
relevantes para os que pretendem estudar esses assuntos mais profundamente. 

Preliminarmente, haveria que se fazer uma pesquisa sobre a 
história e evolução dos instrumentos musicais e sobre a maneira como eles passaram 
a ser usados pelos compositores, arranjadores e mestres de banda. 

Em segundo lugar, há que se lembrar que os dobrados são 
obras polifônicas, nas quais são utilizadas até quatro vozes dos vários instrumentos 
musicais das bandas. Seus arranjos e, por conseguinte, a sua instrumentação se 
integram, totalmente, à idéia original do compositor. Tal simbiose acarreta pelo 
menos duas conseqüências mais diretas: 

a) de um lado, resulta a dificuldade extrema ou, até mesmo, a 
impossibilidade de suas partituras serem reduzidas a piano, encarecendo, portanto, a 
sua divulgação pela necessidade de impressão ou cópia das partes cavadas de todos 
os instrumentos musicais de uma banda padrão; 

b ) de outro, a dificuldade para restauração de partituras 
deterioradas ou incompletas, bem como para a elaboração de novos arranjos e nova 
instrumentação, sem que se deturpe o sentido básico da composição, segundo a 
concepção original que lhe deu o compositor. 

É necessário, ainda, considerar que os dobrados, na sua 
grande maioria, são composições feitas pelos mestres de bandas, para serem 
executados pelos seus próprios músicos. São, composições, que tenho denominado 
“composições locais”, porque são destinadas a um grupo musical específico e a um 
público de determinado ponto deste nosso imenso território. Assim sendo, além da 
própria melodia, os arranjos e a instrumentação vão sofrer a influência direta do 
gosto musical vigente numa certa época daquela comunidade. É muito provável que 
tais influências é que nos levam a encontrar dobrados com arranjos e instrumentação 
semelhantes aos das polcas ou das marchas alemãs ou, ainda, que os fazem se 
aproximar do frevo, das cirandas, das polcas e habaneras ou de tantos outros 
gêneros populares. 

Numa quarta consideração, é bom ter-se em mente que os 
arranjos são influenciados, também, pela existência ou ausência, na banda, de 
determinados instrumentos musicais. Assim podemos notar que são raros os arranjos 
que exploram os naipes de saxofones, usuais nos arranjos para orquestras de danças, 
as chamadas “big bands”. Os naipes de saxofones acabaram por não fazer parte do 
estilo das nossas bandas. Usualmente, são desmembrados pelos arranjadores que 
escrevem para o saxofone soprano, copiando os clarinetes, enquanto colam o 
saxofone alto nos trompetes ou nos trombones; para o saxofone tenor a parte é 
idêntica à do bombardino e para o saxofone barítono, raríssimo nas bandas, utilizam 
a parte da tuba Mi Bemol. 

Outro exemplo, este deplorável, é o que está ocorrendo em 
algumas bandas paulistas, nas quais deixaram de existir clarinetes, instrumentos 
cujos timbres caracterizam a sonoridade, a linguagem musical e o estilo das bandas. 
Na ânsia de conseguir algum dinheiro nos Carnavais, os jovens optaram pelos 
trompetes e trombones. Na ausência, também, de bons mestres, os clarinetes foram 
sendo, sistematicamente, abandonados. O golpe final lhes foi desfechado pela 
absurda regulamentação dos concursos das chamadas “bandas marciais”, que 
proíbe os instrumentos de palheta. Assim é que, nessas bandas, não são mais 
possíveis concertos com arranjos especialmente escritos para bandas de música. A 
ausência insubstituível dos clarinetes provoca uma perda de qualidade musical 
insuperável, tornando qualquer tentativa um ridículo arremedo das verdadeiras 
intenções do compositor ou do arranjador, que as traduziram em suas partituras. 

Finalmente, estamos certos de que não é nada desprezível a 
influência que o nível técnico dos músicos exerce sobre os arranjos, Este fator é tão 
importante que chega a condicionar a instrumentação planejada, pois, na ânsia de 
apresentar suas obras nos concertos da banda, muitas vezes o maestro sacrifica o 
arranjo e, conseqüentemente, a instrumentação, com o objetivo de tornar a partitura 
acessível e executável pelo conjunto de instrumentistas de que dispõe. Além do 
grande trabalho exigido para a adaptação de um arranjo ao nível dos 
instrumentistas, há sempre uma perceptível perda de qualidade, motivos que levam os 
maestros a excluírem do repertório, um grande número de peças musicais, 
frustrando os músicos mais adiantados e, não poucas vezes, decepcionando o seu 
público. 

A despeito dessas considerações, veremos que, via de regra, a 
partitura de um dobrado é complexa, comportando, no mínimo, os arranjos para os 
seguintes instrumentos da banda de música: 

a) para a seção das madeiras: 

-flauta (raro) e flautim (mais raro ainda); 

-requinta e clarinetes (1.º, 2.º e 3.º); 

-Saxofone alto e saxofone tenor; 

b) para a seção dos metais: 

-trompetes (1.º, 2.º e 3.º); 

-trompas, gênis ou sax horns (1.º, 2.º e 3.º); 

-trombones de canto (1.º, raramente o 2.º); 

-trombones de harmonia (1.º, 2.º e 3.º); 

-bombardinos (1.º, raramente o 2.º); 

-baixo-tuba (afinação em Mi bemol e Si bemol); 

c) para a seção de percussão; 

-bombo e pratos: 

-caixa clara e muito raramente outro instrumento. 

Seguem-se as principais observações que podem ser feitas 
sobre essa instrumentação: 

1) embora colocados na seção das madeiras, nos arranjos, os 
saxofones nem sempre trabalham juntamente com as madeiras, como, aliás, foi já 
exposto logo acima; 

2) os trombones de canto dão suporte à melodia dos dobrados, 
apoiando os clarinetes e outros instrumentos, da mesma forma que, antes da 
popularização do saxofone alto, eram feitas também partes para trompas de canto, 
afinadas em Mi bemol; 

3) nas partituras antigas, a percussão é denominada 
“pancadaria”, mas a maioria delas é escrita, apenas, para bombo (marcação) e, nos 
fortes, bombo e pratos (tutti); 


4) Uma última, mas que reputo importante observação, diz 
respeito ao costume generalizado de arranjadores e maestros escreverem as partes dos 
instrumentos mais graves, ou seja, dos trombones, bombardinos e baixos, com a 
armadura na Clave de Sol. É de extrema necessidade, urgência e racionalidade que 
esses arranjadores e, principalmente, que os maestros e os mestres de banda, 
abandonem de vez essa prática tão nociva aos músicos e que passem, 
sistematicamente, a utilizar a Clave de Fá, transcrevendo assim os sons reais, 
facilitando o intercâmbio de arranjos e partituras, e, sobretudo, o trânsito dos jovens 
para estudos mais avançados dos seus instrumentos ou para integrarem como 
profissionais, os conjuntos sinfônicos nacionais ou estrangeiros. 

6. Harmonia 
A harmonia dos dobrados, em geral, é bastante singela, sendo 
esporádico o uso de acordes dissonantes. As seqüências harmônicas e as cadências 
são tão comuns, que se pode falar na existência de padrões de harmonização. Por 
exemplo, pelas anotações deixadas pelo Luiz de Almeida Rosa, que foi um dos 
fundadores da Banda Linense e maestro da Banda de Guaiçara, SP, é possível 
verificar que harmonizava as suas composições e os seus arranjos, utilizando um 
método que consistia no emprego das tríades sobres os graus da escala do tom da 
melodia, em que, os graus I e III eram harmonizados pelo acorde da tônica; os graus 
V e VII, pelo acorde da dominante (raramente com a sétima); os graus IV e VI, pelo 
acorde da subdominante; e o grau II, pelo acorde da dominante ou pelos acordes 
maior e menor da sobretônica. 

Um relatório da análise harmônica do desenvolvimento de um 
tema, correspondente a uma parte da exposição ou do trio, em tom maior, pode ser 
apresentado, resumidamente, da seguinte maneira: 

Evidentemente, nem todos os dobrados têm uma 
harmonia assim tão simples. Há, pelo contrário, dobrados com harmonia bastante 
elaborada e complexa. 

Sugiro, pois, aos interessados, que passem a cultivar o 
exercício sistemático da análise, para, através dela, ampliar e sedimentar os seus 
conhecimentos sobre a estrutura formal e as características harmônicas do dobrado, 
assim como de qualquer outro gênero musical. 

7. Contraponto 
Uma das características fundamentais do dobrado, como 
gênero musical, é a utilização intensiva do contraponto. 

O contraponto, também chamado contracanto, é encontrado 
em todas as partes do dobrado, da exposição ao trio. Através dele estabelece-se um 
diálogo permanente entre os diversos instrumentos, os timbres e as seções da banda. 
Arranjos de extraordinária inventividade, além de riqueza musical, representam 
grande desafio técnico para os músicos, que lutam com entusiasmo e os superam com 
grande satisfação. O contraponto, em que o bombardino é quase sempre o 
instrumento mais exigido, proporciona um deleite especial para os músicos, mas é, 
sobretudo, destinado aos ouvintes. 

Pela alta qualidade do contraponto, o público das bandas tem 
a oportunidade de desfrutar belas páginas da nossa música, que, sem dúvida, são as 
preenchidas pelos dobrados, no grande, rico e diversificado livro da música 
instrumental brasileira. 

Os Dobrados sinfônicos e os dobradinhos 

Os dobrados sinfônicos, por desenvolverem sucessivamente 
vários temas, geralmente se tornam maiores do que os dobrados comuns, não 
obedecendo às rígidas regras da estrutura formal característica do gênero musical, 
como vimos anteriormente. 

Analisando as partituras de diversos acervos musicais, comecei 
a encontrar um bom número de dobrados, bem distintos dos dobrados sinfônicos, mas 
que apresentavam significativas diferenças, em relação aos padrões que já 
descrevemos como característicos do gênero. 

Selecionei, então, uma série desses dobrados que passei a 
chamar de “dobradinhos” porque: 

a. 
em geral, possuem estrutura formal mínima, ou seja, 
obedecem ao esquema exposição-trio-reexposição: > A-B-C-A-B: 
b. 
o fraseado é, muitas vezes, irregular, não se fixando no 
desenvolvimento comum das frases de quatro ou oito compassos; 
c. 
há uma modulação antecipada para o II ou para o IV grau 
da tonalidade, levando a marcha harmônica à cadência, o que faz com que o 
desenvolvimento do tema tenha resolução em dezesseis compassos, quando o usual é 
que ocorra em trinta e dois. 
Os dobradinhos possuem também características estéticas e, 
portanto, subjetivas que os distinguem muito bem. São músicas lépidas, vivas e 
alegres, com certa veia jocosa e debochada, bem ao gosto das pequenas bandas 
interioranas e que alguns chamavam de: “Dobradinho para ser tocado na porta do 
circo!” 

Não havia na frase qualquer conotação pejorativa, pois 
buscava-se encontrar formas de expressar verbalmente as características estéticas do 
estilo musical dos dobradinhos. E, justamente por essas características, os 
dobradinhos nos fazem lembrar os saudosos espetáculos circenses da nossa infância, 
sempre precedidos de uma festiva apresentação da banda de música, que, postada à 
frente do circo, iluminada pelo pisca-pisca de centenas de luminárias coloridas que 
lhe emprestavam um ar surrealista, esmerava-se em seguidas execuções de maxixes, 
galopes e dobradinhos, convocando, assim, o público para o espetáculo, cujas mais 
incríveis maravilhas e extravagâncias eram anunciadas com insistência pelos altofalantes. 


Infelizmente, hoje as bandas não tocam mais dobradinhos, nem 
mesmo na porta dos circos. Algumas vezes, no entanto, eles aparecem em alguma 
novela da televisão, executados por uma “charanga” ou “furiosa”, apelidos 
populares das nossas pequenas bandas interioranas. Incidentalmente, caracterizam, 
de modo bastante estereotipado, a vida provinciana e atrasada das pequenas cidadescenários, 
levando, assim, aos telespectadores a falsa idéia de que as bandas de 
música só têm sentido de existir num quadro social semelhante ao caricaturado pelo 
folhetim eletrônico. 

Talvez, para que se desfaça tal engodo e, também, por 
inúmeras outros motivos, seja tão importante a preservação dos dobradinhos, dos 
dobrados e de todos os gêneros musicais que sempre foram cultivados pelas nossas 
bandas de música, alguns deles, como sabemos, tipicamente brasileiros.

Bibliografia 

Almeida, Aluísio. “Folclore da Banda de Música”. in Revista do Arquivo Municipal 
de São Paulo, vol. CLXXVI, 1960. 

Almeida, Renato. “História da Música Brasileira”. F. Briguiet & Cia. -Editores. 2.ª 
edição. Rio de Janeiro, 1942. 

Sousa, José Geraldo de. “Folcmúsica e Liturgia: Subsídios para o Estudo do 
Problema”. Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 1966. 

Tinhorão, José Ramos. “História Social da Música Brasileira”. Editorial 
Caminho, Lisboa, Portugal, 1990. 

_______ . “Musica Popular de Índios, Negros e Mestiços”. Editora Vozes, 
Petrópolis, 1972. 

_______ . “Pequena História da Música Popular: da Modinha à Lambada”. Art 
Editora, 6.ª edição, São Paulo, 1991. 

_______ . “Música Popular: Os Sons que Vêm da Rua”. Edições Tinhorão, Rio de 
Janeiro, 1976. 

Vasconcelos, Ary. “Panorama da Música Popular Brasileira”. São Paulo, Editora 
Martins, 1964, 2 volumes. 

_______ . “Panorama da Música Popular Brasileira na Belle Époque”. Livraria 
Santana, Rio de Janeiro, 1977. 

Vicente Salles. “Sociedades de Euterpe; As Bandas de Música no Grão-Pará”. 
Edição do autor, Brasília, 1985. 

3 comentários:

  1. Maravilha de explicação. Vou transmitir este artigo aos amigos que estao em México doidos para entender a tradução de uma das músicas de Ivan Lins - Somos todos iguais esta noite.
    Saudações cordiais!
    Ana María Albino

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  2. Achei muito interessante este trabalho. Li apenas por curiosidade e parabenizo o autor pelo relevante documento histórico que com certeza servirá para muitos estudiosos e pesquisadores.

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  3. Estou escrevendo meu tcc sobre formação de bandas e orquestras na igreja evangélica, e um dos gêneros musicais que se tocava no inicio da formação da banda era os dobrados...muito obrigada pela ajuda.

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